sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"apagaram tudo, pintaram tudo de cinza"


Hoje acordei com uma lembrança antiga na cabeça. Como entender a memória? De uma hora para outra ela abre uma gaveta esquecida lá no fundo da mente e retira uma peça velha e simples, há tanto esquecida. Me lembrei de uma manhã de julho, acredito que lá pelo ano de 2005, em que eu, como fazia diariamente, peguei o ônibus 669-A, Terminal Princesa Isabel rumo à faculdade. Eram 7 da manhã e como de costume o ônibus estava abarrotado. Como vocês já devem ter lido em posts anteriores, o 669-A foi apelidado de “inferno na terra” e não foi à toa. Naquela manhã, um senhor, beirando os 85 anos, acredito, estava sentado em uma das poltronas do ônibus e logo que me viu entrando se levantou para me ceder o lugar. Eu, em um misto de espanto, incompreensão e educação recusei, afinal, nada mais justo que um senhor bem mais velho que eu permanecer sentado. Existe até lei para isso, apesar da maioria das pessoas a ignorarem. Em réplica à minha recusa o senhor respondeu: “Eu faço questão senhorita, sou da época em que um homem nunca deixava uma mulher em pé”.


Pois 5 anos depois esta gentileza pairou sobre a minha mente. Por algum motivo ela voltou, e eu me perguntei, em que momento as pessoas se esqueceram da gentileza? Quando elas abriram mão desses gestos tão pequenos e altruístas capazes de fazer o dia de uma pessoa e o mundo todo tão melhor? Como vocês sabem minha mente é o como a do Bob do “O Fantástico mundo de Bob” alguém se lembra desse desenho animado? As coisas mais simples do cotidiano se transformavam em improváveis cenas na criativa mente do menino.


Pois pensei, será que a gentileza ficou lá atrás, esquecida dentro de um saquinho de pano repleto de bolinhas de gude (ou búricas, para quem preferir)? Ou talvez numa garagem perdida entre cordas, bambolês e jogos de tabuleiro? Quem sabe em alguma ruela onde o chão ainda é repleto de traços feitos a giz para que alguém pule em um pé só, de casa em casa percorrendo a amarelinha? Talvez a resposta não esteja nas brincadeiras de antigamente. Talvez a gentileza tenha perdido seu lugar quando as ruas deixaram de ser lugar das pessoas e se tornaram lugar dos carros. Ou até quando os relógios param de mostrar o tempo através do tic-tac preciso dos ponteiros analógicos e começaram a mostrar o tempo em visores digitais e impessoais. A gentileza deve ter ficado para trás quando todos deixaram de escrever cartas de amor e passaram a escrever e-mails, afinal é tão mais rápido. Será que ela se ficou escondida sob a tinta cinza que jogaram por cima das palavras do profeta gentileza? Não sei se a gentileza ficou junto à vida de antigamente, mas com certeza, a gentileza virou coisa de antigamente, artigo de antiquários, que apenas poucos saudosistas insistem em usar.


Eu sugiro resgatar o antigamente. Vamos deixar de lado a pressa, afinal, precisamos realmente correr tanto? Vamos dar menos importância ao que temos. Afinal precisamos mesmo ter tanta coisa? Sugiro ouvir mais os mais velhos, um dia você também vai repetir as mesmas histórias e que triste será se ninguém quiser ouvi-las. Pare o carro para que um pedestre passe, mesmo que o semáforo não esteja fechado para você, isso vai lhe custar meio segundo e a pessoa que espera na calçada enquanto dezenas de carros passam sem a notar vai ficar muito agradecida. Diga bom dia, boa tarde e boa noite, afinal o que isso vai te custar? Isso é menos que gentileza, é educação. Sorria mais. A vida já tem tantos momentos difíceis, por que não melhorar com um sorriso os momentos corriqueiros? Você e todos ao seu redor notarão a sutil diferença. Trate todos com igualdade, sem soberba ou síndrome de superioridade, pergunte ao seu porteiro como foi seu dia, seja gentil com o caixa de uma loja ou com um pedinte na rua. Na realidade o dinheiro, a fama ou status social não tornam ninguém diferente, no fim somos todos humanos, falhos e falíveis, sujeitos ao mesmo fim. Presenteie alguém sem que haja nenhum motivo especial, todos gostam de ser lembrados. Fique feliz pelas conquistas dos outros. E que tal elogiar as pessoas? Um conhecido ou um estranho, todos recebemos tantas críticas diariamente, é bom ser lembrado das qualidades vez ou outra. Ajude alguém sem pedir ou esperar algo em troca. Diga eu te amo com mais freqüência e sinceridade, você não sabe como essa frase pode mudar as coisas. Quem sabe com esses pequenos gestos possamos nos aproximar um pouco da grandeza daquele senhor do 669-A.



"Nenhum gesto de gentileza, por menor que seja, é perdido." (Esopo)


"Se um homem é gentil com desconhecidos, isto mostra que ele é um cidadão do mundo, e que seu coração não é uma ilha que foi arrancada de outras terras, mas um continente que se une a eles." (Francis Bacon)


"Palavras gentis podem ser curtas e fáceis de falar, mas os seus ecos são efetivamente infinitos." (Madre Teresa de Calcutá)



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