quarta-feira, 30 de março de 2011

realizar, perceber, imaginar


Leitura de Onda Um Pontão real Por Tulio Brandão em 24/03/11 01:45 GMT-03:00 Para o site Waves


Realizar. Entrei na água, domingo passado, pensando nos significados desse verbo. O velho Pontão do Leblon quebrava bonito para um surfista de quase 40, e, enquanto eu remava pelo canto da pedra, lembrei que, em inglês, realizar quer dizer também perceber, imaginar. Não costumo gostar de anglicismos, mas deste sempre gostei. Amplia e melhora o verbo. Direitas de 1 metro escorriam ligeiras pela bancada ajeitada por sucessivas ondulações de Leste, para a alegria dos amigos de sempre daquele pedaço de mar – Xande, Dinho, Fabinho Barcelos, Minduim, Trekinho, Sifu, Gel e tantos outros. Eu, cá com a minha falta de ritmo, percebia os sutis – ou nem tanto – ônus de se afogar em trabalho por tanto tempo longe da prancha e do mundo ideal. Não há salário que pague a debilidade na remada, a distância cada vez maior para o seu surf original numa onda. O amigo Dinho gritou: “vai, Tulio!”, diante de uma direita que se armava em pé aos meus olhos. Eu estava mal posicionado. Na onda e, talvez, na vida. Quando eu sair da água, pensei, tenho que botar a prancha na mesa e negociar com o mundo real: eles precisam entender que eu preciso surfar com mais frequência para ser um bom profissional fora da água. Muitas vezes, a questão também é com o verbo realizar, no seu sentido menos abstrato e mais comum aos lusos. É fazer, é acontecer. É dar um jeito de madrugar para surfar nos primeiros raios de sol da manhã, mesmo sabendo que o dia e a noite vão ser longos – de verdade. Antes que a preguiça e o discurso perdedor me tomassem, virei o bico numa boa. Foi o suficiente para voltar com um sorriso no rosto, sem a lembrança da falta de forma que me atormentava. Como é incrível o poder de cura do surf – já dizia um adesivo dos anos 80. Voltei para o line up encasquetado com a boa qualidade das ondas naquela tarde. Não pude deixar de pensar que, a partir do dia 11 de maio, os melhores surfistas do mundo estarão por perto para disputar uma etapa do WT no Rio, depois de uma década de eventos em outras praias brasileiras. Será que as ondas do Pontão do Leblon serão consideradas? O mês do evento é o período em que chegam ao Rio as primeiras ondulações robustas de Sul do ano. E, neste caso, a opção mais extrema e interessante é, de fato, o Pontão. Seria a realização – olha aí mais um significado para o verbo – de muito torcedor lebloniano. É só cuidar para o poder público não jogar esgoto em cima dos surfistas. O verbo que abriu o texto, lá em cima, vem da expressão “real”. Pois o Pontão daquela tarde de domingo, incluindo todos os devaneios trazidos pelas ondas, cabe na definição mais filosófica dessa palavra: “diz-se de tudo o que é”. Um dia de surf, com todas as suas imperfeições, simplesmente “é”.
Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.