segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Sobre a vida e a morte II



Quem acompanha este blog desde o início deve se lembrar que ele foi inaugurado com um texto entitulado "sobre a vida e a morte" http://historiasedevaneios.blogspot.com/2008/01/sobre-vida-e-morte.html. Naquele texto, diretamente influenciado pela morte da minha madrinha e do meu avô e pelo nascimento de um primo, coloquei um pouco dos meus devaneios sobre o assunto.

Um ano e 8 meses depois este assunto voltou à pauta da minha vida. Apesar de sombria resolvi lhes contar esta história, que teve início no dia 12 de agosto de 2009. Neste dia recebí a notícia do meu editor de que no dia 18 eu iria para Laguna Beach, Califórnia para realizar uma visita à sede da Oakley e algumas entrevistas com seus executivos. Como todos devem imaginar, a notícia foi recebida com muita comemoração. Pois, no dia 18 deixei a redação por volta das 15h em direção ao aeroporto internacional de Guarulhos. Chovia muito em São Paulo, o céu em tom de cinza escuro parecia estar mais perto da terra, as rajadas de vendo acompanhadas da enxurrada de água pareciam lavar a cidade, talvez castigá-la. As ruas não davam vazão a água, muito menos aos carros que se enfileiravam tentando chegar a um lugar qualquer. Alguns pensamentos passavam pela minha mente enquanto o motorista do táxi salteava entre algumas estações de rádio, uma pior que a outra. "Com essa chuva, talvez não chegue em tempo", "Talvez a chuva atrapalhe a decolagem", "Lembrei de trazer o passaporte?"

Por alguma razão que ainda não descobri qual, sempre fico com o coração um pouco apertado antes de viagens. Não tenho nenhum medo de avião, pelo contrário, adoro. Também não tenho medo de lugares desconhecidos, pelo contrário, me fascinam. Mas enfim, o coração fica apertado.

Uma hora depois lá estava eu, sentada no saguão do aeroporto esperando pelo voo. Durante uma hora observei as pessoas que passavam e aquelas que entrariam no avião junto comigo. Uma mulher levava seus dois filhos espevitados, um americano alto trajando bermuda florida e camiseta carregava a expressão de saudade de férias, um grupo de 5 adolescentes conversavam em alto som, animadamente sobre sua viagem de férias, dois americanos negros e altos, com tranças raiz nos cabelos ouviam seus ipods, dois executivos conversavam sobre negócios ao meu lado, uma mulher com um bebê no colo me chamou a atenção, "seu bebê é lindo", "obrigada".

21:50h o voo da American Airlines 962 chegou. Aos poucos todos embarcaram.

Ao meu lado um morador de San Diego contava sobre os dias no Brasil. Com uma hora de voo o jantar foi servido. "Beaf or chicken?" Chicken. No serviço de entretenimento do avião algumas opções de filmes. Escolhi X-Men Origens, pensei que seria um filme leve, amenizaria as muitas horas de voo. Após 20 minutos do filme adormeci. Eu sonhava mas não me lembro com o que. No meio do meu sonho algumas pessoas começaram a gritar. Aos poucos fui deixando o estado adormecido e voltei à realidade. Quisera ter permanecido dormindo, assim como um homem que estava jogado em sua poltrona com a boca aberta, provavelmente sonhando com algo melhor do que viria a acontecer naquele avião.

- Existe algum médico neste avião? Por favor, existe algum médico neste avião?

-Sim eu sou médica

Duas poltronas atrás da minha, uma mulher chorava sacudindo o marido apático.

O homem de cerca de 50 anos foi retirado da poltrona pelos comissários e pela médica.

- Desfibrilador rápido! RÁPIDO!

No meio do avião, deitado no chão, o homem recebia os choques daquela médica, a mãe que no saguão do aeroporto segurava seu bebê, a mesma com quem conversei sobre a beleza de seu filho.

O americano ao meu lado apoiou o rosto nas mãos e ficou em silêncio. Não sei se rezava, se pensava ou se chorava. Eu chorei, um choro tímido, de impotência. Também rezei, pedi a Deus que não deixasse que aquele homem morresse naquele momento. Talvez Deus saiba melhor que eu qual o melhor momento para alguém morrer. O homem morreu. Sobrevoando a Cordilheira dos Andes. De acordo com sua mulher, ainda em estado de choque, ele jantou e dormiu, dormiu um sono sem fim.

O silêncio pairou no avião.

Alguns minutos depois e o comissário disse: "Senhores passageiros, tivemos uma situação de emergência no voo que já está sob controle"

CONTROLE. A palavra não me saía da cabeça. Que controle temos sobre esta vida? Pensamos que podemos controlar nosso peso, nossa rotina, nosso futuro, nossos sentimentos, nosso dinheiro. Pensamos que podemos controlar a natureza e o inesperado. Poupamos dinheiro pensando no futuro. Deixamos para amanhã a convivência com a familia, os momentos de alegria, tranquilidade. Fazemos tudo em busca de dinheiro, status, reconhecimento. Pois mais uma vez eu vi, bem na frente dos meus olhos, que a morte não nos dá um tempinho a mais, uma canjinha, um chorinho, uma saideira.

Para aquele homem, a viagem terminou ali.

Pensei na minha vida, nas minhas preocupações, naquilo que é importante para mim e naquilo que eu pensava ser importante. Mais uma vez levei um puxão de orelha, um pontapé do destino, um recado de Deus, chamem como quiser. O fato é que a vida é breve e não tem prazo de validade. Espero, profundamente, que aquele homem tenha amado, tenha beijado as pessoas importantes, tenha tomado um porre sem se preocupar, tenha perdoado, tenha dado mais importância às pessoas que ao dinheiro, tenha aprendido que um trabalho é apenas um trabalho, tenha dado risada sem se preocupar em parecer tolo, tenha comido pratos maravilhosos, conhecido lugares inesquecíveis, feito amigos sinceros, tenha amado e respeitado seus pais, alcançado uma relação de amizade com seus filhos e principalmente tenha descoberto que sua vida era o presente mais maravilhoso de Deus e que a pessoa, dentro daquela carcaça mortal era valiosa.

Eu espero que eu aprenda todas estas coisas, antes do fim da viagem.