terça-feira, 15 de julho de 2008

O poder da pólvora




No último dia da viagem à praia, Thomas deu aos amigos seus passes de ônibus, disse que já não precisaria deles, como se soubesse que naquele mesmo dia seria brutalmente assassinado.
Um policial militar, que não estava em serviço, vestia bermuda e chinelo, acompanhado de um amigo e duas mulheres e que portava arma da corporação, a mesma com que disparou os tiros que atingiram a nuca de Thomas, acabou com a vida do jovem de 20 anos.
Os amigos guardam até hoje, 4 anos depois, as lembranças da tragédia e os passes de ônibus de Thomas.

Essa história nunca saiu da minha cabeça, pois estou fortemente ligada a ela. Thomas era meu amigo de faculdade, e o garoto que estava no banco do passageiro, ao lado de Thomas nos seus últimos segundos é meu namorado. No entanto, nas últimas semanas, lembro com mais freqüência deste fato e não é pelo caráter afetivo a que me remete.

No dia 6 de julho, João Roberto Amorim Soares, um garoto de 3 anos morreu no Rio de Janeiro, vítima de balas disparadas por policiais militares, 30 no total, das quais 16 atingiram o carro que sua mãe dirigia. O irmão, de 9 meses se salvou por pouco.

Os policiais que perseguiam o carro de bandidos, alegaram que em meio à troca de tiros, atingiram acidentalmente o carro com as crianças. No entanto, os laudos da polícia já detectaram que não houve troca de tiros, e imagens de câmeras de segurança de um prédio em frente ao local mostraram que a mulher estacionou seu carro ao notar a perseguição, ainda assim os policiais desceram de seus carros e alvejaram o veículo.

Ao ver as imagens deste filme em preto e branco, considero, em primeiro lugar quão despreparada é a nossa polícia. Parte desta culpa é do estado, que trata com descaso uma das funções mais importantes do país, a da polícia. A entidade está hoje sucateada, os salários da grande maioria é defasado e insuficiente, em geral, não há o devido treinamento, as condições de trabalho são insalubres, o que os leva, inúmeras vezes ao envolvimento com todo o tipo de corrupção. Fora das telonas, as tropas do Brasil não são de elite. Em conseqüência, a condição mental destes homens que andam com armas empunhadas é preocupante. Em meio a uma realidade onde os maniqueísmos de mocinho e bandido já não cabem mais, estes homens são convencidos de que detêm o poder de deliberar sobre a vida e a morte de alguém.

Tento pensar com frieza no caso do Rio de Janeiro. Mesmo que aquele carro, parado, com uma família dentro, fosse de fato o que estava sendo perseguido pela polícia, que motivos teriam os policiais para metralharem o veículo, buscando exterminar seus passageiros, sendo que nenhum tiro saiu de seu interior e que nenhuma agressão foi feita aos policiais?

Temos a tendência de desumanizar os “fora da lei”, mas devemos nos lembrar que vivemos em um país onde a pena de morte não é aceita. Que direito teriam aqueles policiais de tirar a vida de pessoas, fossem elas aquele garoto, ou os homens perseguidos?

Não defendo aqui que a polícia deva ser frouxa com aqueles que infringem as leis. Defendo sim que as leis de fato valham, por todos e para todos.

Os filtros das notícias nos impedem de saber quantas outras pessoas foram mortas, direta ou indiretamente por aqueles que deveriam nos proteger. Alguns casos vêm à tona, outros milhares ficam enterrados, nas vielas escuras de favelas, periferias, pequenas cidades, e outras terras de ninguém.

O poder da pólvora está subindo à cabeça destes homens, não apenas dos réus do caso do Rio de Janeiro ou do condenado pelo caso de Thomas, mas de outros milhares.
Os pais pedem que o caso não seja esquecido, alguns outros gostariam apenas que seu caso fosse ouvido e quem sabe um dia resolvido. Até quando permitiremos que este tipo de filme seja sucesso de bilheteria no Brasil? Um dia o protagonista pode ser você!